É difícil ficar indiferente ao som da banda baiana Dona Iracema. Potente, afirmativo, politizado, irreverente e, principalmente, autêntico, com uma propriedade rara, o grupo consegue mexer em assuntos espinhosos e imperativos na sociedade atual. No meio disso, um hardcore com sotaque nordestino e elementos de baião e forró, batizado por eles de “caatincore”. Conhecida por apresentações vigorosas e bem-humoradas em festivais e shows, Dona Iracema, de Vitória da Conquista (BA), leva essa energia para “Velório”, novo trabalho que nasce primeiro em álbum - pelos selos Orangeira Music e Digital Ruffo e se desdobra em audiovisual.
“A gente se permitiu fazer, é a música mais diferente da nossa história. É leve na melodia e forte no sentido da mensagem, um sentimento de saudade. O disco vem carregado de energia e essa música, a última do álbum, presta uma homenagem a todos. É um grito para a uma memória”, adianta Balaio, nome artístico de Gabi, mulher trans, voz e uma das letristas do grupo.
Além dela, o grupo formado em 2012 na cidade de Vitória da Conquista é composto Diegão Aprígio (vocal e contrabaixo), Pablo Bahia (vocal e guitarra) e Oscar Sampaio (vocal e bateria). Todos trazem no DNA essa pluralidade transgressora do rock e a naturalidade para abordar assuntos atuais e necessários.
“Como nos nossos outros trabalhos, ‘Velório’ tem humor e irreverência por trás de mensagens politizadas, tão necessárias para as causas que defendemos. Dona Iracema trabalha com sinceridade, estamos todos representados ali e queremos fazer disso nossas bandeiras. Um velório é um marco, independente da cultura, é a celebração da vida, respeito a uma memória, um local de homenagem. Da nossa maneira, esse é um trabalho que faz um ensaio sobre a morte, fala de saudade e de dor”, explica Oscar Sampaio.
Com produção musical, gravação, mixagem e masterização, além de sintetizadores e piano do renomado produtor André T, o projeto também conta com produção da Mochi Film, realização da Ruffo, direção de Márcia Espindola (que também assina a direção de fotografia do audiovisual), produção executiva de Jorginho Falcão, edição e motion design de Felipe Wrany e produção de João Paes e Fabrízio Penteado.
“André T é um cara que acreditou e apostou no nosso trabalho. Além de ser um amigo, foi um paizão para nós, acompanhou todo o processo desde o início. Esse disco é dele também. Foi uma oportunidade de trabalhar com um dos artistas mais incríveis que eu já conheci”, comemora Balaio.
Esse elenco ainda ganha reforço nas luxuosas participações especiais dos músicos Armandinho Macêdo, na canção “Pendura pelos Ovo”, e Rodrigo Lima (Dead Fish), na faixa “Plano Funerário”, duas das dez pancadas presentes no disco.
“Quase não acreditamos quando Armandinho topou participar. A música começa com um axé, mas colocamos ele para ‘fritar no hard core’ com uma guitarra baiana progressiva. Ficou incrível”, conta Sampaio. “Dead Fish sempre foi uma de nossas maiores referências e a participação de Rodrigo (Lima) é daqueles momentos que ficam marcados. Estamos muito felizes com o resultado”, emenda.
Pensado para também ganhar os palcos do país assim que a pandemia deixar, as faixas seguem quase como um roteiro sincopado de um filme. “Estatística”, música de abertura, é irônica, mas bate em questões como o tratamento preconceituoso da sociedade com a comunidade LGBT+ e as questões de gênero, assim como “Qual a Graça”, que deixa de lado o humor para tratar do tema de forma direta. “Bota pra Bater” e “Bichos da Madrugada” seguem na mesma linha, com destaque contra a violência pública e velada, mas também pelo sentimento de saudade causado pela pandemia.
“A Morte do Anjo” traz uma metáfora da transformação (respeite meu direito de morrer) para reforçar a identidade de quem se assume ser o que é. Já “Mão na Cabeça” reforça a temática atualíssima da opressão do estado por meio de um chiste, um policial na figura de um palhaço bufão. Da mesma forma que o incentivo à resistência e à resiliência são mostrados da maneira mais “iracemática” do disco na música “Dedo na Cara”, um deboche inteligente e certeiro.
Como eles mesmo afirmam, “Velório” fala de necropolítica, solidão, luto e todos os sentimentos e reações, do riso ao choro, da raiva à saudade, da dor ao medo. Uma obra para cantar, dançar, rir e se emocionar.
O FILME – O filme “Velório” nasce com estética e narrativa própria para fazer um ensaio sobre a morte e o descaso nos tempos de pandemia. A produção audiovisual mostra a banda tocando todas as canções do álbum, sendo que cada uma ganha seu próprio roteiro que ajuda a contar as histórias presentes nas letras das músicas . “O vídeo complementa o conteúdo de cada canção. Na primeira canção do disco, por exemplo, como falamos sobre necropolítica, utilizamos na edição notícias de jornais sobre assassinatos e mortes. Na canção "A morte do anjo", temos um momento onde um velório é reproduzido”, explica Gabi. Na canção “Qual a graça”, um palco de "stand up comedy" é simulado, entre outras coisas”, explica Balaio.
Dona Iracema nas redes
Dona Iracema é Balaio (vocal), Diegão Aprígio (contrabaixo), Oscar Sampaio (bateria) e Pablo Bahia (guitarra).
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